domingo, 21 de outubro de 2012

BRONZEADO ARTIFICIAL CONTINUA PROIBIDO.

Decisão mantém proibição de bronzeamento artificial
Segundo a 6ª Vara Federal de Campinas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é detentora de atribuição legal para editar regra em caráter primário

O uso de equipamentos para bronzeamento artificial continua proibido no Brasil. Sentença da Justiça Federal de Campinas (SP) manteve determinação de 2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que proibiu o serviço. Segundo a 6ª Vara Federal de Campinas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é detentora de atribuição legal para editar regra em caráter primário. Ao restringir a prática, segundo a decisão, a agência adotou a melhor posição para resguardar a saúde da população, baseada em pesquisas feitas por cientista da Agência Internacional para Pesquisas do Câncer, entidade associada à Organização Mundial da Saúde.
O julgamento aconteceu em uma ação ajuizada pela empresa Dherma Tan Comércio de Cosméticos e Estéticas, que pedia anulação da Resolução da Diretoria Colegiada 56, que proíbe em todo o território nacional o uso desses equipamentos. Segundo a autora da ação, há outras autoridades nacionais e internacionais no campo científico que diminuem a eficácia do relatório elaborado pela International Agency for Research on Cancer (Iarc), além do fato de que a Anvisa não tem autorização legal para editar regra proibitiva, uma vez que a autarquia só pode regulamentar, e não criar proibições.
Para a Justiça, no entanto, a medida é razoável e não desconsiderou os princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. A sentença afirma que a saúde das pessoas que, por motivos estéticos, usam do serviço deve prevalecer sobre os prejuízos econômicos dos atingidos pela medida restritiva.
Em sua defesa, a empresa mostrou estudos científicos que comprovariam a fragilidade da premissa decisória adotada pela Anvisa para editar a resolução, e alegou que em “nações do primeiro mundo”, como os Estados Unidos, e nos países que integram a União Europeia, não existe proibição.
No Brasil, porém, o Instituto Nacional do Câncer, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Dermatologia se manifestaram contra esses equipamentos para fins estéticos.
Campo técnico
A tese em que se baseou a decisão reza que, em tais situações, o Judiciário não pode substituir a discricionariedade dos órgãos e entidades do Poder Executivo para, em casos particulares, afastar a normatividade editada por tais órgãos.
“Ante a um quadro de opiniões divergentes, não é correto dizer que o juiz decidirá da forma mais escorreita do que a autoridade administrativa decidiu, máxime porque a prova que vier a ser eventualmente produzida dirá que há conexão entre o câncer ou não há conexão, persistindo a divergência científica”, diz a sentença.
A decisão menciona artigo do procurador federal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em São Paulo Eduardo Fortunado Bim, intitulado “Divergências científicas e metodológicas e no Direito Público e no Ambiental”. O texto traz casos judiciais em que empresas se opunham à regulamentação editada por agências reguladoras e trata da autocontenção judicial na análise de questões sobre as quais pende latente divergência científica.
Segundo o texto, a exigência de certeza absoluta é algo utópico no âmbito da ciência: “Sempre haverá ausência de absoluta certeza científica, e ignorar tal fato poderá hipertrofiar o princípio da precaução ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, poderá anulá-lo, quando se exige prova irrefutável e se ignora margem de discricionariedade técnica e política do Estado para regular o risco”.
O procurador aponta o que vem sendo decidido judicialmente sobre questões de divergências científicas: "Uma teoria que evita a utilização abusiva do Judiciário é a da judicial deference ou Chevron doctrine. A Suprema Corte estadunidense entendeu que a Administração Pública detém primazia na interpretação dos conceitos indeterminados das leis a ela dirigidas, somente podendo intervir o Judiciário em casos teratológicos".
Apesar de os tribunais estarem fazendo diversas escolhas técnicas, isso não significa, de acordo com Eduardo Bim, que tais medidas sejam as mais acertadas ou incontestáveis, mas provavelmente apenas razoáveis: “A discussão técnica sempre estará aberta, sendo um moto perpetuo científico de contestação. Entretanto, reconhecer esse moto perpetuo científico não autoriza a ingerência judicial nessa matéria, antes a desaconselha, a não ser em casos flagrantemente desarrazoados, uma vez que essa cautela "não se confunde com insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo" (REsp 1.171.688). Frise-se que essa autocontenção judicial engloba as opiniões dos auxiliares do juízo. Não faria sentido deixar nas mãos do perito a escolha da teoria/metodologia científica mais correta e vedá-la ao julgador”.
Com base nesses argumentos, a Justiça rejeitou o pedido da empresa e a condenou ao pagamento de honorários advocatícios, além de determinar o arquivamento dos autos. Cabe recurso.
Processo: 0008253-87.2011.4.03.6105
Leia a decisão:
Trata-se de ação de conhecimento, ajuizada por Dherma Tan Comércio de Cosméticos e Estética Ltda, contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, objetivando a declaração de nulidade da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 56, DOU, Seção I, de 11/11/2009, p. 43, que proíbe em todo território nacional o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial, com finalidade estética, baseada na emissão da radiação ultravioleta (UV), assegurando-lhe assim a continuidade de uso dos referidos equipamentos.Os fundamentos da pretensão são: a) falta de autorização legal para a ANVISA editar tal regra proibitiva, já que entende que à autarquia só cabe regulamentar e não criar proibições; b) inobservância do devido processo legal, já que não observado o art. 31 do Regulamento da ANVISA, mas sim a audiência pública; c) cerceamento de defesa porque os interessados não tiveram acesso ao conteúdo do processo que levou à proibição e nem foi respondido o requerimento de ter vista das manifestações recebidas durante o processo de consulta; d) violação à isonomia, argumentando de forma genérica; e) que a resolução é uma violação à liberdade individual; f) que não está provada risco iminente.Narra a evolução do uso das câmaras de bronzeamento no mundo e no Brasil e afirma que em nações do primeiro mundo como os Estados Unidos e nos países que integram a União Européia a proibição inexiste. Em seguida, invoca estudos científicos que comprovariam a fragilidade da premissa decisória adotada pela ANVISA para editar a Resolução. Por fim, cita precedentes judiciais em seu favor.A inicial foi instruída com os documentos de fl. 44/230.A ré foi citada e apresentou a contestação de fl. 239/258, acompanhada dos documentos de fl. 259/385, defendendo a legalidade da resolução sob o fundamento que a ANVISA detém poderes de regulamentação do uso de qualquer produto ou serviço que diga respeito à saúde no Brasil, máxime de produtos que podem causar câncer, como é o caso. Relatou o processo de audiência pública e citou precedentes científicos em seu favor. Finalizou registrando a revogação de uma decisão judicial proferida no âmbito do TRF 4ª Região, que favorecia o uso dos citados equipamentos. Pugnou pela improcedência do pedido.À fl. 386/396 foram juntados documentos complementares.O pedido de antecipação de tutela foi indeferido à fl. 397/399.Noticiada a interposição do recurso de Agravo de Instrumento, pela autora, perante o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tendo sido indeferido o pedido de efeito suspensivo.Vieram os autos conclusos para sentença.É o relatório bastante.Fundamentação e decisãoCompulsando os autos, observo que o julgamento não reclama a produção de outros meios de prova, razão pela qual passo ao julgamento antecipado da lide.Como constou da decisão de antecipação de tutela, assinalo, inicialmente, que a ANVISA é detentora de atribuição legal para editar regra em caráter primário. Aliás, é exatamente isso que a caracteriza como agente regulador. Tal previsão se encontra nos art. 6º, 7º e art. 8º, inc. XI, da Lei n. 9.782/99, cujas dicções são:Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:(...)III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;(...)XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;(...)Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: (...)XI - quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação.Portanto, não há que se falar em usurpação pela ré de atribuições típicas do Congresso Nacional.Em segundo lugar, é inaplicável ao caso o Decreto n. 3.029, de 16 de abril de 1999, DOU 19/04/2009, por meio do qual foi aprovado o Regulamento da Agência Nacional de Vigência Sanitária. De fato, a regra do art. 31 tem a seguinte redação:"Art. 31. As sessões deliberativas, que se destinem a resolver pendências entre agentes econômicos e entre estes e consumidores e usuários de bens e serviços compreendidos na área de atuação da Agência serão públicas.Parágrafo único. A Agência definirá os procedimentos para assegurar aos interessados o contraditório e a ampla defesa."No caso em questão, a ré, ao editar a resolução atacada, não estava resolvendo pendências entre agentes econômicos ou entre estes e os consumidores, mas sim exercitando uma competência de criação normativa, para qual - friso - não há que se observar o contraditório e a ampla defesa, garantias típicas do processo de aplicação da norma criada.De outra parte, a ré fez audiência pública - a que não estava obrigada - para buscar mais subsídios e informações para embasar a resolução sobre o tema ora controvertidos nestes autos. Veja-se as disposições legais pertinentes:"Art. 32. O processo decisório de registros de novos produtos, bens e serviços, bem como seus procedimentos e de edição de normas poderão ser precedidos de audiência pública, a critério da Diretoria Colegiada, conforme as características e a relevância dos mesmos, sendo obrigatória, no caso de elaboração de anteprojeto de lei a ser proposto pela Agência.Art. 33. A audiência pública será realizada com os objetivos de:I - recolher subsídios e informações para o processo decisório da Agência;II - propiciar aos agentes e consumidores a possibilidade de encaminhamento de seus pleitos, opiniões e sugestões;III - identificar, da forma mais ampla possível, todos os aspectos relevantes à matéria objeto de audiência pública;IV - dar publicidade à ação da Agência.Parágrafo único. No caso de anteprojeto de lei, a audiência pública ocorrerá após a prévia consulta à Casa Civil da Presidência da República.Art. 34. Os atos normativos de competência da Agência serão editados pela Diretoria Colegiada, só produzindo efeitos após publicação no Diário Oficial da União.Parágrafo único. Os atos de alcance particular só produzirão efeito após a correspondente notificação.Art. 35. As minutas de atos normativos poderão ser submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público, nos termos do regimento interno."Ora, dentro de tal contexto, é evidente que não tem aplicação as regras do devido processo legal invocáveis nos processos administrativos ou judiciais em que se discutem pretensões. Note-se que, se fosse acolhida a tese da autora neste ponto, ter-se-ia, ad instar, de exigir do Congresso Nacional que observasse as garantias do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal durante o processo legislativo, o qual tem um modus procedendi específico.Disto se tira que não há que se falar em violação ao contraditório, à ampla defesa ou ao devido processo legal.Em terceiro lugar, a suposta negativa de acesso ao processo gerado pela audiência pública não é causa de nulidade da resolução, já que a lei em parte alguma estabelece tal consequência. A negativa de acesso configura, no máximo, violação a um direito constitucional de acesso aos documentos públicos que, porém, não é objeto desta ação.Em quarto, a violação à isonomia articulada foi genérica e não é possível apreciá-la.Em quinto lugar, a afirmação de violação à liberdade individual, prevista na Constituição, encontra limites no interesse público em proteger a saúde da população. Veja-se que a liberdade individual não outorga a ninguém o direito manusear publicamente substâncias radioativas. Neste passo, a afirmada violação ao direito de liberdade só tem sentido em face de atividades que não possam repercutir na esfera de outras pessoas, o que não é o caso sob comento.Em sexto, a afirmação da autora de que não há "prova do risco iminente" peca por reduzir a complexidade da questão a uma controvérsia probatória, olvidando que o caso diz respeito às certezas científicas de uns e às incertezas de outros a respeito da matéria.A ANVISA embasa a proibição em pesquisas feitas por cientistas da Agência Internacional para Pesquisas do Câncer (IARC), entidade associada à Organização Mundial de Saúde - OMS, sendo certo que, no Brasil, se manifestaram contra a utilização das câmaras de bronzeamento o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) para fins estéticos. A autora afirma que há outras autoridades nacionais e internacionais no campo científico que infirmam o relatório elaborado pelo IARC, citando-as na petição inicial.Ora, diante de tal contexto, a ANVISA, fincada no Princípio da Precaução, adotou a posição que melhor resguarda a saúde da população, sem que disso se possa inferir que, efetivamente, as referidas câmaras são causadoras de câncer.O Judiciário tem sido provocado para que, diante de situações em que a lei prevê conceitos indeterminados e da complementação destes conceitos pelo conhecimento científico, defina a existência de determinados direitos subjetivos.Ante um quadro de opiniões divergentes, não é correto dizer que o Juiz decidirá da forma mais escorreita do que a autoridade administrativa decidiu, máxime porque a prova que vier a ser eventualmente produzida dirá que há conexão entre o câncer ou não há tal conexão, persistindo a divergência científica.Entendo que, em tais situações, o Judiciário não pode substituir a discricionariedade dos órgãos e entidades do Poder Executivo para, em situações particulares, afastar a normatividade editada por tais órgãos. A respeito desse tema, trago à baila excertos de um artigo de autoria de Eduardo Fortunato Bim intitulado "Divergências científicas e metodológicas e no Direito Público e no Ambiental", prestes a ser publicado, no qual foram investigados casos judiciais em que empresas se opunham à regulamentação editada por agências reguladoras e no qual o citado autor sustenta a autocontenção judicial quando analisar questões sobre as quais pende latente divergência científica.Sustenta o autor:"Tem sido frequente a contestação dos métodos científicos utilizados em estudos que alicerçam decisões governamentais na seara do direito público, especialmente no direito ambiental. Embora o método científico seja o melhor, ele não é perfeito, pois engloba inúmeras teorias sobre o mesmo objeto, muitas vezes sem a precisão desejada.Baseados em uma infinidade de teorias, que mais parecem justificar qualquer entendimento do que apontar algum consenso da comunidade científica, os contestadores dessas decisões governamentais argumentam muitas vezes com graves deficiências cognitivas a respeito do mundo, preconceitos, crendices a respeito da ciência etc., arvorando-se em cientistas da incerteza ou, paradoxalmente, cientistas da certeza absoluta.(...)Não é de hoje que se lida com a incerteza científica em todas as áreas do conhecimento. O pensamento de que a ciência é precisa, de que responde a todas as perguntas ou tem um método seguro e eficaz está superado pelos estudos da história, da filosofia e da sociologia da ciência. Em sua obra Introdução ao Pensamento Complexo Edgar Morin defende que os métodos simplificadores mutilam a realidade de tal forma que eles produzem "mais cegueira do que elucidação." Embora Morin exemplifica que o conhecimento fragmentado não gera necessariamente um conhecimento global, ele aduz que todos os conhecimentos sobre a física, biologia, psicologia e sociologia não afastaram o desenvolvimento do erro, a ignorância ou mesmo a cegueira. O cientista precisa ser capaz de viver em um mundo desordenado. Como sabiamente já reconheceu a jurisprudência:"(...) Sob o enfoque da Epistemologia não há certeza científica absoluta. A exigência de certeza absoluta é algo utópico no âmbito das ciências. A questão da verdade científica é um tema recorrente em Epistemologia porque a ciência busca encontrar o fato real. Todavia, há muito se percebeu que o absoluto é inco ensões hão de ser mais modestas." Por isso, o princípio da precaução deve ser visto com cautela em sua consagração na Declaração do Rio, quando aduz "ausência de absoluta certeza científica", uma vez que essa certeza absoluta não existe. Sempre haverá ausência de absoluta certeza científica e ignorar tal fato poderá hipertrofiar o princípio da precaução ao mesmo tempo em que paradoxalmente poderá anulá-lo, quando se exige prova irrefutável e se ignora a margem de discricionariedade técnica e política do Estado para regular o risco."Mais adiante, ao discorrer sobre o estado de coisas no âmbito do direito Norte-Americano, o autor esclarece o que vem sendo observado em termos de decidibilidade judicial envolvendo questões sobre as quais pende divergências científicas:"Uma teoria que evita a utilização abusiva do Judiciário é a da judicial deference ou Chevron doctrine.A Suprema Corte estadunidense, em Chevron v. NRDC (Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc - 1983), entendeu que a Administração Pública detém primazia na interpretação dos conceitos indeterminados das leis a ela dirigidas, somente podendo intervir o Judiciário em casos teratológicos. Porque o Judiciário deveria respeitar, em regra, a exegese do Executivo, a doutrina estabelecida no caso Chevron ficou conhecida como judicial deference, Chevron deference ou Chevron doctrine.A deferência judicial remete "ao livre juízo da Administração a interpretação que esta se digne a fazer dos conceitos ambíguos, imprecisos ou indeterminados das Leis." As cortes devem deferência às interpretações promovidas pelas agências (Poder Executivo), a menos que a lei seja clara ou a interpretação dada por elas seja desarrazoada.Segundo o Justice Stevens, o primeiro passo (first step) para a aplicação da doutrina Chevron seria a ambiguidade da lei. Se a lei contiver vaguidade ou indefinição, haverá espaço para que seu sentido dúbio seja precisado.O segundo passo (step two) da doutrina Chevron seria a razoabilidade da regulamentação legal. Destaque-se nesse ponto que não é a melhor interpretação da norma pela Administração Pública que se busca, apenas a razoável. Frise-se que, talvez com uma exceção (AT&T Corp. v. Iowa Utilities Board), a Suprema Corte nunca invalidou uma construção do Executivo com base no segundo passo. Em Smiley v. Citibank (South Dakota) (1996), a Suprema Corte chegou a afirmar que a doutrina Chevron não seria afetada nem mesmo pela ausência de contemporaneidade da norma regulamentada, no caso maior do que 100 anos, ou pela revelação da necessidade de regulação pelo litígio atual sobre o alcance da norma, incluindo o próprio processo na Suprema Corte, o que poderia indicar a necessidade de regulamentação pelo Executivo. E arrematou um dos aspectos mais polêmicos da judicial deference: o de que a existência de interpretação diferente no passado não é sinal de que a nova regulamentação seria inválida ("Of course the mere fact an agency interpretation contradicts a prior agency position is not fatal"), desde que não haja mudança súbita e inexplicável ou que não considere a confiança legítima gerada na interpretação anterior.O campo perfeito para a aplicação da doutrina Chevron reside exatamente na questão científica ou técnica, uma vez que por diversos motivos são intermináveis as disputas entre cientistas e/ou metodologias científicas, bem como as alterações de decisões embasadas nessa dinâmica. Salvo em casos nos quais a escolha regulamentar ou do caso concreto seja desarrazoada, deve prevalecer a decisão administrativa, até mesmo pelo campo discricionário/político reservado à Administração.(...)Quando se trata de matéria técnica, o STJ chama tal prudência de princípio da deferência técnico-administrativa, mero desdobramento da doutrina Chevron. O STJ, depois de mencionar o princípio da deferência técnico-administrativa, bem sintetizou a questão nos seguintes termos: "Em matéria eminentemente técnica, que envolve aspectos multidisciplinares (telecomunicações, concorrência, direito de usuários de serviços públicos), convém que o Judiciário atue com a maior cautela possível - cautela que não se confunde com insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo". Entes públicos têm feito diversas escolhas técnicas. Entretanto, isso não significa que tais medidas sejam as mais acertadas ou incontestáveis, mas provavelmente apenas razoáveis.A discussão técnica sempre estará aberta, sendo um moto perpetuo científico de contestação. Entretanto, reconhecer esse moto perpetuo científico não autoriza a ingerência judicial nessa matéria, antes a desaconselha, a não ser em casos flagrantemente desarrazoados, uma vez que essa cautela "não se confunde com insindicabilidade, covardia ou falta de arrojo" (REsp 1.171.688). Frise-se que essa autocontenção judicial engloba as opiniões dos auxiliares do juízo. Não faria sentido deixar nas mãos do perito a escolha da teoria/metodologia científica mais correta e vedá-la ao magistrado. Ainda seria o Judiciário que estaria "resolvendo" a disputa científica.Isso está longe de tornar a decisão administrativa imune a críticas ou ao controle judicial, apenas reconhece que as limitações da ciência tornam qualquer decisão naturalmente criticável, embora não inválida. Por isso um ponto fundamental da doutrina Chevron é o de que por ela não se averigua qual é a melhor interpretação do significado da norma, mas apenas uma razoável, vedando-se leituras arbitrárias. Como magistralmente a Suprema Corte estadunidense asseverou em Smiley v. Citibank (South Dakota) (1996), depois de se reconhecer o primeiro passo (first step): "a pergunta diante de nós não é se isso representa a melhor interpretação da lei, mas se isso representa uma interpretação razoável." Pelo mesmo motivo, o ambientalista português Vasco Pereira da Silva, com apoio em doutrina alemã, doutrina que "a fiscalização judicial do poder discricionário tem por finalidade a verificação da conformidade da decisão com a lei e o direito, e não a procura de uma melhor apreciação ou de uma melhor decisão discricionária (Starck)." Diante deste quadro, tenho como razoável a medida adotada pela ANVISA, não havendo assim que se falar em falta de observância do Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade, valendo pontuar que entre eventuais prejuízos econômicos dos atingidos pela medida restritiva e a saúde das pessoas que, por motivos estéticos, usam do serviço, está há de prevalecer.Não tendo comprovado o direito que alega possuir, a improcedência do pedido é medida que se impõe.DispositivoAnte o exposto, julgo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, rejeitando o pedido da autora.Custas na forma da lei. Condeno a autora a pagar honorários de advogado no importe de dez por cento sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido.Oportunamente, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais.Outrossim, comunique-se, através do sistema informatizado desta Justiça (e-mail), nos autos do Agravo de Instrumento interposto, a prolação de sentença nestes autos, nos termos do Provimento COGE n. 64/2005, para as providências que se fizerem necessárias, por aquele E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Disponibilização D.Eletrônico de sentença em 04/10/2012 ,pag 192/238
Fonte: Conjur
Autor: Lívia Scocuglia
Revisão e Edição: de responsabilidade da fonte
RS

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