sábado, 3 de dezembro de 2016

Com Fidel, a história de Cuba foi reescrita?

 Edilson Martins

Com Fidel, a história de Cuba foi reescrita?

por edilsonrmartins
demetrio_magnoli
Demétrio Magnoli é uma figura curiosa. Em sua coluna de hoje  submete o jornal paulista a uma saia justa.
O pior é que o diabo do homem não viaja em adjetivos, opiniões pessoais. Trabalha com números e substantivos. Articulado, culto, a empresa vai suportar tamanho desaforo?
Eis alguns trechos:
(...)  Na sua capa, à guisa de epitáfio, a Folha de São Paulo (27/11) ofereceu a Fidel Castro uma espécie de absolvição histórica: "A ditadura é reconhecida por ter melhorado as condições de saúde e educação na ilha caribenha". O mito da ditadura benigna emergiu, em formulações similares, nas declarações de FHC e José Serra, refletindo um consenso dos que, ao menos, recusam-se a elogiar fuzilamentos sumários ou o encarceramento de dissidentes. Temo estragar a festa contando um segredo de Polichinelo: a Cuba pré-castrista exibia indicadores de saúde e educação tão notáveis quanto os atuais. 
Fulgêncio Batista dominou a política cubana durante um quarto de século, até a revolução de 1959. Em 1937, no seu segundo ano de poder, instituiu o salário mínimo e a jornada de oito horas, antes do Brasil (1940) e de qualquer país latino-americano. No início da segunda década da "era Batista", em 1955, a taxa de mortalidade infantil em Cuba (33,4 por mil) era a segunda menor na América Latina. 
(...) O embargo econômico dos EUA contra Batista (sim, Batista!) começou em 1957. Naquele ano, a taxa de mortalidade infantil cubana (32 por mil) estava entre as 13 mais baixas do mundo, perto da canadense (31) e menor que as da França (34), Alemanha (36) e Japão (40). Atualmente, segue baixa, mas já não está entre as 25 menores do mundo. No mesmo ano, Cuba aparecia como o país latino-americano com maior número de médicos per capita (um por 957) e a maior quantidade de calorias ingeridas por habitante (2.870). 
Enquanto promovia centenas de execuções sumárias, o regime castrista conduziu campanhas de alfabetização rural tão inúteis quanto o Mobral de Emilio Médici. Como no Brasil, o analfabetismo reduziu-se quase à insignificância pelo efeito inercial da universalização do ensino básico. Mas Cuba partiu de patamar invejável: as taxas de alfabetização de 1956, quando os guerrilheiros chegaram à Sierra Maestra, colocavam a ilha na segunda posição na América Latina (76,4%), bem à frente da Colômbia (62%) e do Brasil (49%). Todas essas estatísticas estão na série da anuários demográficos publicados pela ONU entre 1948 e 1959, hoje disponíveis na internet. O jornalismo prefere ignorá-las, repercutindo a cartilha de propaganda castrista. 
Batista fugiu para a República Dominicana no Ano Novo de 1959. Se, na época, a Folha aplicasse o critério que usa para Fidel, teria escrito que a ditadura de Batista "é reconhecida por ter melhorado as condições de saúde e educação na ilha caribenha". Por sorte, não o fez: Cuba não foi salva por Fidel nem pelo tirano que o precedeu. Médicos cubanos realizaram a primeira anestesia com éter em terras latino-americanas (1847), identificaram o agente transmissor da febre amarela (1881) e inauguraram a pioneira máquina de raio-X da América Latina (1907). Antes de Batista, em 1931, a taxa de mortalidade geral cubana (10,2 por mil) era menor que a dos EUA (11,1). 
Governos têm importância menor que a "história profunda". Nos tempos coloniais, Cuba foi a "joia da coroa" espanhola no Caribe, um dos mais dinâmicos centros hispano-americanos, atraindo uma numerosa elite econômica e intelectual. A excelente faculdade de Medicina de Havana, os hospitais e as escolas do país nasceram no mesmo solo cosmopolita que produziu José Martí, apóstolo da independência, a Constituição democrática de 1940 e o Partido Ortodoxo, berço original do grupo revolucionário liderado por Fidel. Dia e noite já se sucediam em Cuba antes do triunfo final da guerrilha castrista, na Batalha de Santa Clara.

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