sábado, 24 de junho de 2017

Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia Com informações da Agência Fapesp

Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia

Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia
Observatório possibilitará estudar raios gama com precisão sem precedentes.[Imagem: CTA]
Luz de alta energia
Os raios gama poderão ser estudados, em breve, com precisão sem precedentes. Um consórcio composto por mais de 1.350 cientistas e engenheiros de 32 países, incluindo o Brasil, pretende construir até 2022 o Cherenkov Telescope Array (CTA), o maior observatório terrestre voltado a estudar essas partículas de luz (fótons) de altíssimas energias vindas do espaço.
Apesar de uma busca de mais de um século, ainda pouco se sabe sobre essas partículas de luz, suas fontes e o papel que desempenham em nossa galáxia e além dela.
"O CTA faz parte de uma nova geração de detectores de raios gama e pode possibilitar a identificação de mais de mil novos objetos emissores da radiação gama que chegam à Terra, produzidos por raios cósmicos [partículas, como prótons, elétrons e íons, que viajam com velocidades próximas à da luz]," disse Razmik Mirzoyan, pesquisador do Instituto de Física Max Planck de Munique, na Alemanha, em palestra durante evento promovido em São Paulo pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Luz Cherenkov
Ao chegarem à Terra, os raios gama colidem com moléculas de ar e dão origem a partículas secundárias subatômicas, que caem em forma de cascatas, também conhecidas como chuveiros de ar ou de partículas.
Essas partículas de alta energia podem viajar mais rápido que a luz, dando origem a um flash azul semelhante a uma onda de choque produzida por um avião supersônico ao quebrar a barreira do som.
O matemático inglês Oliver Heaviside (1850 - 1925) calculou e previu as principais características de um fenômeno desse tipo, quando um elétron se move em um meio transparente com velocidade superior à da luz. O trabalho do cientista inglês, contudo, não foi apreciado pelos seus pares contemporâneos e foi esquecido.
Quase 50 anos depois das primeiras publicações de Heaviside sobre a previsão desse tipo de fenômeno - iniciadas em 1888 -, o físico russo Pavel Cherenkov (1904 - 1990) descobriu experimentalmente o efeito, que foi batizado de radiação ou luz Cherenkov.
"Em 1937, Cherenkov conseguiu medir a anisotropia [característica de um meio em que certas propriedades físicas variam em diferentes direções] desse tipo de emissão e submeteu um artigo relatando os resultados à Nature, mas a revista recusou a publicação do trabalho," disse Mirzoyan. "Felizmente, a revista Physical Review aceitou publicar o artigo em que Cherenkov mencionou a possibilidade de medir elétrons rápidos com carga negativa."
Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia
Os raios cósmicos ultra-energéticos são detectados por tanques de água especiais, conhecidos como detectores de Cherenkov. [Imagem: ASPERA/G.Toma/A.Saftoiu]
Chuveiros de partículas
Em 1938, o físico francês Pierre Auger (1899 - 1993), ao posicionar detectores de partículas no alto dos Alpes, percebeu que dois deles, localizados a vários metros de distância um do outro, detectaram partículas que chegavam ao mesmo tempo, em cascatas.
E, em 1948, o físico britânico Patrick Blackett (1897 - 1940), ao estudar os raios cósmicos por meio de uma câmara de nuvens - um método de identificação de partículas subatômicas -, mencionou a probabilidade da existência de componentes leves de "luz Cherenkov" de partículas relativísticas em chuveiros de ar que poderiam contribuir marginalmente para a intensificação da luz do céu noturno.
A partir de então, começou a corrida para o desenvolvimento de detectores de "luz Cherenkov" de chuveiros de partículas produzidos tanto por raios cósmicos como por raios gama, ambos vindos do espaço. "Até então a 'luz Cherenkov' tinha sido detectada apenas em meios sólidos e líquidos", explicou Mirzoyan.
Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia
Uma erupção recorde de raios gama foi detectada recentemente pelo telescópio espacial Fermi, da NASA. [Imagem: NASA/DOE/Fermi LAT Collaboration]
Telescópios de raios gama
A atual geração de detectores de raios gama - formada pelo Sistema Estereoscópico de Alta Energia (HESS - High Energy Stereoscopic System), na Namíbia, o Observatório de Raios Gama (Magic), nas Ilhas Canárias, na Espanha, e o Veritas, no Arizona, nos Estados Unidos - começou a produzir resultados em 2003 e aumentou o número de objetos emissores de raios gama conhecidos de cerca de 10 para 100.
O CTA (Cherenkov Telescope Array) deverá aumentar esse catálogo 10 vezes ao detectar mais de mil novos objetos, uma vez que será 10 vezes mais sensível e terá uma precisão sem precedentes para detecção de raios gama de alta energia.
Esse aumento de sensibilidade e de precisão na detecção desses raios gama será possível em razão da área de coleta de dados e de uma combinação de três classes de telescópios Cherenkov para cobrir uma gama de energia que varia de 20 GeV a 300 TeV.
Enquanto os observatórios de raios gama atuais possuem, no máximo, cinco telescópios Cherenkov operando em conjunto, o CTA será composto por 100 telescópios terrestres de três tamanhos diferentes, divididos em um local no hemisfério Norte e a outra parte maior no hemisfério Sul.
No Hemisfério Sul, o observatório será construído no deserto do Atacama, no Chile, próximo ao telescópio ALMA (Atacama Large Milimeter Array). No hemisfério Norte será situado nas Ilhas Canárias, próximo ao Observatório Magic.
Dessa forma, o CTA terá uma área de coleta equivalente a mais de 1 milhão de metros quadrados (m2), o que permitirá uma cobertura de quase todo o céu, em um ângulo de 360º, aumentando a chance de capturar os chuveiros de partículas produzidos pelos raios gama.
Telescópio Cherenkov quer desvendar luzes de altíssima energia
Há também "explosões escuras" de raios gama - uma explosão dessas libera tanta energia quanto o Sol ao longo de toda a sua vida de 10 bilhões de anos. [Imagem: NAOJ]
Um evento por século
Embora a "luz Cherenkov" se espalhe sobre uma grande área (de 250 metros de diâmetro), o chuveiro de partículas dura apenas alguns bilionésimos de segundo e é muito raro, com uma taxa de ocorrência de um fóton de raios gama por m2 por ano a partir de uma fonte luminosa forte ou de um por m2 por século a partir de uma fonte luminosa fraca.
Cada telescópio terá uma montagem que permitirá apontar rapidamente para os alvos almejados e será composto de um grande espelho segmentado para refletir a "luz Cherenkov" para uma câmera de alta velocidade.
Por meio das imagens obtidas da câmera será possível digitalizar e gravar a imagem do chuveiro de raios gama para um estudo mais aprofundado de suas fontes cósmicas, como os arredores de buracos negros, remanescentes de supernovas, galáxias com núcleos ativos e pulsares.
Participação brasileira
O projeto de construção do CTA é estimado em 400 milhões de euros e o Brasil colabora no projeto em diferentes frentes. Uma delas é a construção do ASTRI Mini-Array - um arranjo menor de telescópios Cherenkov, que será o protótipo do observatório CTA -, em parceria com a Itália e a África do Sul.
O miniarranjo será composto por nove telescópios Cherenkov com espelho de 4,3 metros de diâmetro, que serão instalados na parte sul do CTA, no Chile, a partir de 2018.
O ASTRI terá uma sensibilidade superior à do HESS e atingirá energias acima de 100 TeV - equivalente a 100 trilhões de elétrons-volt. O telescópio protótipo do ASTRI foi inaugurado em Serra la Nave, na região de Catânia, na Itália, em setembro de 2014, e possui uma inovadora câmera focal modular com fotomultiplicadores de silicone, desenvolvida em parceria com engenheiros brasileiros do IAG-USP.
O grupo da professora Elisabete Dal Pino no IAG-USP é responsável pela construção de três dos nove telescópios do ASTRI por meio de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP.
Outro grupo de pesquisadores da USP de São Carlos também está desenvolvendo, por meio de outro Projeto Temático apoiado pela FAPESP, o suporte de câmera do telescópio de médio porte (MST) do CTA em parceria com a equipe alemã do Observatório.
Além disso, outro grupo de pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) está desenvolvendo componentes estruturais para os telescópios de grande porte (LST) do CTA.

"O protótipo dos telescópios ASTRI já está quase pronto, em fase final de testes, e a construção da parte mecânica e das estruturas dos nove telescópios será iniciada em breve", disse Elisabete.

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